Projeto de docentes e estudantes do CCH fortalece rede protetiva de atenção às mulheres em situação de violência

8 de março de 2023


Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou que 18,6 milhões de mulheres sofreram, no último ano, algum tipo de violência ou agressão no Brasil. Mais de 50 mil, precisamente 50.962, sofreram violência diariamente em 2022. Embora ainda não se tenha divulgado os dados relacionados a feminicídios nesse período, já se sabe que, nos últimos quatro anos, houve um crescimento de 10,8%, segundo o FBSP.

Os números publicados pelo Fórum revelam a demanda por investimento crescente em políticas públicas relativas ao tema. Revelam também a urgência de um olhar mais efetivo e do envolvimento da sociedade numa causa, que é de todos e todas. Na UFV, a consciência sobre a necessidade desta reação não é recente. Há pouco mais de 20 anos, antes do debate sobre gênero alcançar a atual visibilidade, um grupo de professores já havia criado o Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero (Nieg), assumindo a interseccionalidade como princípio. Em termos práticos, isso significava a realização de atividades de ensino, pesquisa e extensão interdisciplinares que levassem em conta diferentes abordagens relacionadas a gênero, dentre elas a violência.

Foi do Núcleo que nasceu, em 2010, o programa de extensão Casa das Mulheres. Pensado e proposto no âmbito do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Viçosa, o programa veio para suprir a falta de serviços especializados no atendimento às mulheres em situação de violência de Viçosa e microrregião. Ela é, portanto, uma parceria entre a UFV, por meio do Nieg, e a Defensoria Pública, com o apoio da prefeitura. Durante seis anos, as ações da Casa das Mulheres foram financiadas pelo Programa de Extensão Universitária, do Ministério da Educação. Com o encerramento do programa, a prefeitura passou a ser a principal financiadora. Isso se deu de 2018 a 2020, quando terminou o convênio. Os atendimentos realizados pela Casa foram, então, interrompidos, só voltando a acontecer em 2021.

As interrupções no trabalho ao longo da história acabaram fazendo com que os atores institucionais envolvidos no programa se desarticulassem, deixando de observar o Protocolo Municipal de Atenção às Mulheres em Situação de Violência, cuja construção foi conduzida pela Casa das Mulheres. Dentre os objetivos do protocolo, criado em 2015, estava a articulação da rede protetiva às mulheres vítimas de violência. A desarticulação da rede gerou lacunas que vão da falta de referência sobre onde denunciar casos de violência à ausência de registro de dados. Para tentar reverter esta situação, o Nieg, que atualmente é coordenado pelo professor Luiz Ismael Pereira, do Departamento de Direito, aprovou um projeto de extensão junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) no final de 2022.

Projeto
O projeto Fortalecimento da Rede Protetiva de Atenção às Mulheres em Situação de Violência em Viçosa é coordenado pelo professor Luiz Ismael e tem como objetivo principal analisar os processos de consolidação da rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade em Viçosa. Para isso, conta ainda com a participação das professoras Mariana Ramalho Procópio Xavier, do Departamento de Comunicação, Débora Fernandes Pessoa Madeira, do Departamento de Direito, Cristiane Magalhães de Melo e Késia Silva Tosta – ambas do Departamento de Economia Doméstica – e de estudantes bolsistas de diferentes cursos.

Dentre as propostas do projeto estão: atualizar a coleta de dados do observatório da violência do programa Casa das Mulheres, especialmente os dados advindos dos registros da Delegacia da Mulher de Viçosa; promover a formação dos trabalhadores da rede de atendimento, por meio de oficinas temáticas e de atividades de intervenção social e reconstruir o Protocolo Municipal de Atenção às Mulheres em Situação de Violência. Pretende-se também estimular o processo dialógico de ação e reflexão entre universidade e comunidade, pautado por valores éticos e cidadãos e com dinâmicas pedagógicas que atendam ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

A professora Débora, que integra o Nieg desde 2019, conta que o Núcleo representa a UFV no Conselho Municipal de Direitos da Mulher, onde, desde junho de 2022, participa de reuniões sobre o enfrentamento à violência. Ela explica que o projeto de extensão aprovado pela Fapemig irá permitir maior interação com a comunidade de Viçosa, trazendo consigo a possibilidade de eventualmente transformar uma ação em política pública.

O fortalecimento do diálogo entre a Universidade e a comunidade com o restabelecimento da articulação que envolve a Casa das Mulheres é visto pela professora Mariana, que também faz parte do Nieg desde 2019, como uma importante fonte de aprendizado. Possibilita à UFV, segundo ela, conhecer uma realidade e refletir sobre questões que ultrapassam o âmbito pessoal. “Muitas vezes, o problema de uma mulher não é só dela, mas da sociedade. Cuidar do filho enquanto trabalha, por exemplo, não é um problema pessoal, mas público e político”.

Avanços
Apesar dos números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Débora e Mariana consideram que houve avanços no enfrentamento à violência contra a mulher. Eles podem ser percebidos pela maior visibilidade do tema e no esforço de as informações alcançarem mais pessoas. Na avaliação das professoras, as denúncias feitas pelas mulheres estão maiores, assim como a preocupação de agentes e organizações públicas com o assunto. Um exemplo disso é o curso sobre assédio sexual no ambiente de trabalho que integrantes do Nieg oferecerão, no dia 10 de março, a servidores e servidoras municipais, a pedido da prefeitura de Viçosa.

Os dados divulgados pelo Fórum revelam que a violência que, para muitos, motivou a criação do Dia Internacional da Mulher ainda é uma triste realidade. O incêndio intencional que matou operárias em Nova Iorque, em 1857, e a manifestação de russas, em 1917, pedindo pão e paz, indicam as controvérsias sobre a origem da data, que foi oficializada pela ONU na década de 1970 para representar a luta pela igualdade salarial e de condições de trabalho. Hoje, o dia 8 de março simboliza também a luta contra o machismo e a violência.

No Brasil, são 108,7 milhões de mulheres, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Na UFV, elas somam 10.498 nos três campi que, em breve, poderão contar com uma resolução institucional de Promoção dos Direitos Humanos e Combate às Opressões. Obviamente, o documento não será voltado especificamente para as mulheres, mas ajudará a conscientizar a comunidade acadêmica como um todo sobre a promoção dos direitos humanos na UFV e, consequentemente, a proteção da dignidade das pessoas, especialmente das minorias.

A minuta da resolução está sendo elaborada por uma comissão presidida pela professora Joana D’Arc Germano Hollerbach, do Departamento de Educação, e composta por representantes de diferentes categorias dos três campi. O texto está quase finalizado e, em breve, será encaminhado à Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários, que irá submetê-lo à consulta pública.